Calila das Mercês
Imagem: Pablo Saborido/CLAUDIA |
Desde que a escritora mineira e doutora em Literatura (UFF), Conceição Evaristo (1940), mencionou a
sua candidatura à cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), tem-se
formado campanhas nas redes sociais por coletivos e pessoas civis a fim de apoiar
a entrada da escritora na ABL. O projeto Diálogo
Insubmissos de Mulheres Negras foi um dos primeiros a lançar um
abaixo-assinado virtual e já conta com mais de 20 mil assinaturas de pessoas de
diferentes pontos do Brasil.
Recentemente, ela, que conquistou o Jabuti
com Olhos d’água (2015), foi tema da
exposição Ocupação Conceição Evaristo do
Itaú Cultural, em São Paulo, recebeu prêmio em reconhecimento ao conjunto da
obra pelo governo do Estado de Minas Gerais, e também os prêmios Faz a
diferença do Globo, Claudia 2017, Bravo 2017 e o SIM pela Igualdade Racial. Este
ano, depois de ter sido homenageada na Festa Literária de Porto Alegre
(Festipoa) em maio, Conceição Evaristo também será a escritora homenageada na
Festa Literária em Cachoeira (FLICA), em outubro, na Bahia, isso, certamente, dá-se
pelo que ela e o conjunto de sua obra representa ao país e pela busca da
sociedade em torno dos temas os quais ela trata com ternura e responsabilidade
em sua arte literária.
Conceição Evaristo, escritora de poesias, contos e romances, é um dos
nomes mais aclamados e celebrados na literatura brasileira contemporânea. A
presença dela em eventos literários e culturais em todo o país tem lotado os
espaços, como ocorreu na Festa Literária de Paraty (FLIP) do ano passado, e,
recentemente, no LER Salão Carioca do Livro no Rio de Janeiro, no Festipoa em
Porto Alegre e no Teatro Castro Alves em Salvador, no evento Mulher com a
Palavra, onde esteve junto com a cantora Karol Conka.
Autora de Becos da memória
(2006), livro publicado após 20 anos de escrito, Conceição Evaristo é considerada
uma das porta-vozes de um grupo, tido como minoritário, mas em maioria
quantitativa no país, que é a comunidade negro-brasileira. Quando uma parcela
da sociedade decide, de forma espontânea, defender por uma representatividade,
o que envolve alguém que reflete sobre temas como racismo, fluxos migratórios, protagonismo
de mulheres negras, recorte de classe, afeto, entre outros, não tem como passar
despercebido.
A campanha a favor da Conceição Evaristo na ABL é um reconhecimento do
público leitor a escritora que presa em suas obras por uma pluralidade de
personagens negros que se autoagenciam e por marcar, por meio de escrevivência,
olhares com outra perspectiva da história que nos foi e ainda é negada. Já é
sabido e comprovado que personagens negros, quando presentes, na maioria das
narrativas de outros escritores (alguns até considerados canônicos), são
emudecidos, estereotipados e/ou figurantes. Assim, como já sabemos também do
perigo de uma história única em um país que passou pelos processos de
colonização e escravidão, dos quais ainda temos cicatrizes expostas. Basta
vermos a manutenção do discurso da democracia racial, a conservação
embranquecida dos ambientes de legitimação e liderança, a naturalização da
subalternidade para as pessoas negras, como se tudo que fizéssemos, incluindo
as nossas produções artísticas fossem sempre menos dignas de notas.
Conceição Evaristo, além da projeção internacional, por ter tido obras
traduzidas para outros idiomas, é uma das autoras bastante estudada em diversas
universidades do país. Seu livro Olhos d’água também é tema de documentário
dirigido por Pepe Medina.
Ler que imortais da ABL não estão gostando da mobilização em nome da
Conceição Evaristo e que eles não atuam sob “pressão”, faz com que reflitamos o
quanto uma gama da sociedade brasileira ainda não parou para pensar sobre os
nossos problemas estruturais e sistêmicos. Faz pensarmos também nas variadas mobilizações
espontâneas que têm incomodado os menos progressistas a respeito dos caminhos
que o país tem seguido.
Racismo está aí reverberando entre as sutilezas e as palavras escolhidas
para identificar cada pessoa na sociedade. Às que sempre detiveram em seus
corpos a ideia de indivíduo, mesmo com equívocos irreparáveis, são talhadas frases
com cuidado e acolhimento com seus legados. Para outras, cujos corpos são os
que tombam em maioria, qualquer movimento que reivindique ou que fuja do tão
valorizado “controle” é visto como ousadia, audácia, incômodo e pressão.
Quando pessoas de uma sociedade de maioria negra requerem por meio de abaixo-assinados que uma artista
literária negra integre a um grupo de intelectuais – que tem como intuito
representar e resguardar a cultura, a memória e a literatura nacional, de
acordo com o estatuto de 1897, cujo patrono fundador foi o escritor
negro-brasileiro Machado de Assis – o desejo destas pessoas, faz refletirmos o
quanto é importante questionarmos as tantas visões que se normatizaram no
Brasil sem a opinião popular e que parecem ser incontestáveis.
Para nós, negros em diáspora, a luta é diária, não somente por
subsistência, mas por dignidade nos espaços que desejamos e precisamos estar. Sobreviver
as artimanhas do patriarcado é resistência. Conceição Evaristo uma vez falou
que “a escrevivência não é para adormecer os da Casa Grande e sim para
acordá-los dos seus sonhos injustos”. Já passa da hora deles acordarem.
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