4 de maio de 2018

A jornada em Azul Corvo


Marcella de Melo Faria

Imagem: Ismeta Gruenwald


Adriana Lisboa é autora de romances e livros infanto-juvenis, além de poeta e contista. Nasceu no Rio de Janeiro, morou também na França e na Nova Zelândia e atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é mestra em literatura brasileira e doutora em literatura comparada pela UERJ, além de ter sido pesquisadora visitante nas Universidades de Kyoto, do Texas e do Novo México. Seus livros foram publicados em catorze países e traduzidos para diversos idiomas, tais como: inglês, francês, espanhol, alemão e árabe. Seu reconhecimento chegou a ser tão grande que recebeu diversos prêmios, como por exemplo, o Prêmio José Saramago, em Portugal, pelo romance Sinfonia em branco; o Prêmio Moinho Santista, no Brasil, pelo conjunto de seus romances; e o prêmio de autor revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil por Língua de trapos.
Azul Corvo, publicado em 2010, é um de seus romances mais conhecidos. Esta obra retrata a trajetória de Vanja, uma menina de 13 anos que se muda para os Estados Unidos para morar com Fernando – ex-guerrilheiro e ex-marido de sua recente falecida mãe –, que promete ajudar Vanja a encontrar seu pai americano que nunca conhecera. A melancolia é o que une os dois personagens, que acabam criando laços afetivos capazes de durar uma vida inteira e os ajudar nos seus respectivos processos de amadurecimento diante dos tristes acontecimentos que suas vidas lhes proporcionaram até então. Ao mesclar mobilidades culturais à brevidade de relacionamentos afetivos e da própria vida, Adriana Lisboa nos oferece reflexões acerca da existência humana.
Genericamente, a figura do corvo está associada a maus presságios devido à sua cor negra. Nesse sentido, Vanja pode ser vista como uma ave que voa para lugares distintos e essa jornada é também uma viagem interna na qual a personagem conhece a si mesma. Ela acaba se tornando uma ave azul e não negra como poderia se esperar de uma garota estrangeira, órfã, sem muitas condições, vivendo nos Estados Unidos. No seu processo de amadurecimento e de encontro à felicidade ela adquire coloração.
Pode-se dizer que Azul Corvo retrata uma história de amizades que não escolhem nacionalidade, sexo, idioma ou idade. A migração é um tema recorrente na obra, visto que o desejo de mudança é um traço comum entre as personagens. A escritora também explora fatos históricos que ocorreram no Brasil, como a Guerrilha do Araguaia. Ademais, a obra versa sobre a diáspora atual acentuando-se questões importantes e profundas sobre a experiência humana diante de uma realidade cultural heterogênea e mesclada. O deslocamento das personagens pode ser visto como uma busca de identidade, proporcionando-lhes tanto o autoconhecimento como o conhecimento do outro. Ao buscar seu pai biológico Vanja conhece outras pessoas que contribuem para a construção de sua própria identidade e para o seu processo de amadurecimento.
Ao fazer uso de uma linguagem simples, porém poética, Adriana Lisboa narra uma belíssima história que oscila entre presente e flashbacks. Essa variação no tempo permite uma reflexão entre o passado e o presente, que nos leva a ponderar como as nossas escolhas constroem nosso futuro.
Por fim, é importante realçar que Azul Corvo é também uma história sobre nós que estamos imersos numa pluralidade de culturas e que muitas vezes ignoramos nossas diferenças e nos distanciamos dos valores humanos. Assim sendo, as palavras de Heitor Ferraz, colocadas na epígrafe da obra de Lisboa, merecem destaque: “Somos todos estrangeiros. Nesta cidade. Neste corpo que acorda”. Transitar, conhecer pessoas, conhecer-se. Existir é isso!