Paula Queiroz Dutra
Universidade de Brasília
Universidade de Brasília
As
flores com que me vestiram
eram
só
para
arder melhor.
Paula Tavares
Falar
da literatura produzida por mulheres ainda é, infelizmente, falar de silêncios.
Não o silêncio de quem não tem nada a dizer e se conforma em apenas ouvir os
discursos hegemônicos. Pelo contrário, é um silêncio forçado, que há muito
tenta apagar as histórias, os gritos, a dor, a voz e, acima de tudo, a força
dessas mulheres que ousam escrever, que sabem ter algo importante a dizer. Mas
esse silenciamento disfarçado de ‘silêncio’ – tão opressor como outras formas
de violência – talvez até possa enganar quem está mais desatento, mas já não
engana grande parte da população, principalmente essa nova geração de mulheres
que está querendo ler mais escritoras e que têm contestado a ausência de livros
publicados por mulheres pelas grandes editoras (e, consequentemente, sua
presença nas principais livrarias), assim como sua ausência nas listas dos
grandes prêmios literários.
Esse
cenário já foi comprovado pela academia, pelo menos no contexto brasileiro, com
pesquisas estatísticas como as que foram coordenadas pela professora Regina
Dalcastagnè na Universidade de Brasília, que analisou centenas de romances
publicados pelas principais editoras brasileiras durante um período de 15 anos (de 1990
a 2004) e constatou que o espaço destinado às mulheres, seja como autoras, seja
como personagens de romances, ainda é muito pequeno, quando não estereotipado.
Dos 165 autores catalogados pela pesquisa, 120 eram homens, ou seja, 72,7%.
Além disso, do total de autores, 93,9% eram brancos. O mesmo foi observado nos
principais prêmios literários brasileiros e, mais recentemente, ficou mais do
que evidente em uma das principais feiras literárias do país. Segundo Regina
Dalcastagnè, em Literatura
brasileira contemporânea: um território contestado, entre os anos 2006 e
2011, foram premiados 29 autores homens e apenas uma mulher (na categoria
estreante, do Prêmio São Paulo de Literatura).
No
entanto, a mobilização através das redes sociais e da possibilidade de diálogo
promovida pela internet ganha força com o surgimento de clubes de leitura em
todo o Brasil, como o Leia Mulheres, que tem estimulado a
leitura e a descoberta de escritoras até então desconhecidas por grande parte
das leitoras que, apesar de serem maioria, ainda não tinham se dado conta de
sua força e da pluralidade da produção das autoras.
Há
quase cem anos, Virginia Woolf,
em seu ensaio intitulado Um
teto todo seu, refletia sobre a desigualdade de acesso ao conhecimento
entre homens e mulheres na sociedade inglesa da época, denunciando de que forma
isso impedia que as mulheres conseguissem escrever e produzir literatura. Para
Woolf, para que as mulheres pudessem se tornar escritoras, elas precisavam
ganhar quinhentas libras por ano e ter um teto todo seu, de preferência, com
tranca na porta. Apesar da importância desse ensaio de Woolf, muito atual ainda
nos dias de hoje, uma questão importante não foi observada pela escritora.
Mesmo tendo um teto todo seu e sendo capaz de produzir bons textos literários,
as escritoras negras ainda tem que se confrontar com a indiferença ainda mais
perversa do mercado editorial. Em um país racista como o Brasil, pode-se
imaginar como isso é doloroso e difícil. As narrativas são, sim, espaços de
disputa, como nos mostra Regina
Dalcastagnè.
Quando
pensamos em escritoras que não conseguem a visibilidade que merecem no cenário
editorial, a lista é imensa. Cada leitora ou leitor de uma parte do país
certamente poderia citar muitos nomes de autoras cujos livros não conseguem
circular nas principais livrarias. Já que falamos de um teto todo seu, o primeiro
nome que vem à cabeça é Carolina
Maria de Jesus e seu Quarto de despejo, uma prova de
que a norma culta é mesmo muitas vezes usada como fator de exclusão. Mas a
beleza do texto de Carolina, que com muita coragem dizia “Sou poeta”,
permanece. Contudo, é sempre estranho pensar que é mais fácil adquirir um
exemplar dos livros de Carolina Maria de Jesus em língua estrangeira, já que é
uma das escritoras brasileiras mais estudadas no exterior, do que conseguir
encontrar um exemplar de seus livros em uma livraria de qualquer cidade
brasileira. Mais recentemente, a escritora Martha
Batalha, nascida em Recife, só conseguiu ter seu livro A vida invisível de Eurídice Gusmão publicado no Brasil, após várias
recusas, depois de se tornar um sucesso no exterior, com traduções para dez
idiomas. Ainda esperamos que o mesmo aconteça com Carolina Maria de Jesus por
aqui.
Ponciá
Vicêncio e Becos da Memória, de Conceição Evaristo, são nomes
que vem à mente logo em seguida, por trazerem outras vozes tão indispensáveis
para que a literatura brasileira seja mais rica e mais plural, assim como Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, que revela
parte importante da história brasileira, quase nunca contada sob a perspectiva
de quem também tem o direito de contá-la. De Brasília à Bahia, poetas como Cristiane Sobral e Lívia
Natália contam as dores e os
amores das mulheres negras em poemas que nos arrastam feito correntezas por histórias que falam de luta, de
força, de afeto. Não vou mais
lavar os pratos, é o que elas dizem com a sua poesia visceral.
Ainda
falando em poesia, lembro-me da delicadeza dos poemas de Ana Martins Marques ou da irreverência da poeta mineira Ana Elisa Ribeiro, e também de Angélica Freitas que nos lembra de que Um útero é do tamanho de um punho.
Entre tantos nomes que despontaram há pouco tempo, em grande parte por
finalmente serem vencedoras de importantes premiações literárias, é mais do que
necessário lembrar aquelas que trazem o sertão de volta para a literatura, como Maria Valéria Rezende, Socorro Acioli e Marília
Arnaud, ou que inovam ao falar de amor, com sensibilidade e leveza, para
além das fronteiras de gênero, como a amora de Natália
Borges Polesso. Outros
cantos, no entanto, requerem outros formatos, e acabam por encontrar outros
caminhos para escrever suas histórias, como tem acontecido nas periferias das
cidades, nos saraus e slams, quando o poema existe para ser recitado,
proclamado, ou cantado ao som do rap e do hip-hop. O que importa mesmo é que
essas incríveis mulheres, de diferentes idades, raças, etnias, gerações,
classes sociais e cidades seguem lutando pelo seu espaço, para serem ouvidas.
Não há dúvidas de que elas têm muito a dizer. Cabe a você, leitora/leitor,
neste dia 8 de março, substituir aquelas flores, já que alguns presentes podem
ser amargos como os frutos (como bem fala a poeta angolana Paula Tavares), por um livro de
uma escritora que você nunca leu, mas – tenho certeza – vai adorar ler. As
opções são infinitas e bem maiores do que este ou qualquer outro texto podem
conter. Divirta-se na companhia delas. Beijo,
boa sorte.
*Algumas autoras que você deveria conhecer foram citadas ao longo deste texto em
negrito. Grande parte dos títulos aparece aqui e ali em itálico, espero que
você consiga encontrá-los.
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