Marina Sousa Teixeira
Foto: Fábio Nascimento / Mobilização Nacional Indígena |
"Aquela sociedade tinha alguma coisa que nós perdemos".
Darcy Ribeiro
A primeira experiência que eu tive relativa à cultura indígena foi na pré-escola, quando a turma confeccionou um cocar de papel e o pintou com giz de cera. Saímos correndo pelo colégio, batendo com a mão na boca para fazer aquele barulho supostamente selvagem. A atividade só acontecia no Dia do Índio. E o que tem de errado com essa brincadeira de criança? O problema é ser a única atividade proposta que tem como objetivo retratar o indígena. Essa brincadeira é uma prática escolar que acompanha algumas gerações. Desde muito cedo é criada e enraizada uma alusão à cultura indígena com uma vestimenta de falsificação.
Essa ideia continua nos anos escolares posteriores. No ensino médio, lemos Gonçalves Dias, cujas descrições só nos ajudam a formar a imagem de um índio nu e robusto, protetor da floresta e destemido, armado com seu arco e flecha. E a esse ideal de índio devemos combinar a filosofia rousseauniana do bom selvagem, com a finalidade única de decorar conceitos porque é cobrado no vestibular. A finalização desses anos escolares inclui ler Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. O momento aqui é de catalogar um herói que corresponde ao povo brasileiro e Mário de Andrade constrói um índio plural em raça, etnia, cultura, e claro, preguiçoso. Porém, o escritor indígena Daniel Mundukuru faz uma observação importante: na mitologia indígena de Roraima, Macunaima – sem acento – é um ente legislador que nada tem a ver com a versão literária de Mário de Andrade.
O percurso que a educação brasileira segue sobre a história indígena faz com que toda a população não-indígena se fixe na ideia de que o lugar do índio é exclusivamente na floresta. A inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino é obrigatória e está garantida por lei. Mas por que esse equívoco no conteúdo escolar continua acontecendo, com as práticas indo na contramão do que dizem as diretrizes? Porque a perspectiva que é passada e trabalhada em salas de aula não é de autoria indígena. Enquanto essas vozes e esses espaços continuarem ocupados pela perspectiva do invasor, as ideias reproduzidas serão de preconceito e de estereótipo.
O que deve ser trabalhado é a consciência de uma literatura indígena que vem sendo produzida há mais de trinta anos e que, na minha saga educativa, com todos os meus privilégios, só tive acesso no ensino superior. A produção literária indígena é expressamente contemporânea e carrega um viés particular, uma afirmação de uma identidade coletiva e real, referente a cada povo. A língua portuguesa, que foi imposta a esses povos de diferentes formas, é usada por eles próprios para travar uma comunicação de continuidade e resistência presente nessas culturas. É o índio como protagonista da sua história, com acesso a novas tecnologias da informação, sustentando a ideia de “eu posso ser quem você é sem deixar de ser quem eu sou”.
Ler literatura indígena é adentrar um mundo desconhecido, repleto de diversidade. As cores e os cheiros quase ultrapassam as páginas. É fazer a mente passar por um processo de criação de formas e objetos antes inimagináveis, não deixando de ser desafiador. É notar que os índios ainda conseguem enxergar coisas que nossos olhos já perderam, dado nosso distanciamento com a natureza. E, acima de tudo, afirmar que temos um compromisso em ajudar e aprender a perpetuar essa história de resistência.
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