10 de junho de 2017

Notas sobre Moonlight, de Barry Jenkins, e masculinidades negras

Waldson Gomes de Souza

Cartaz do filme Moonlight (2016)


Os estudos sobre gênero focados em masculinidades são poucos. De um modo geral, ainda prevalece a ideia de que estudar gênero é, necessariamente, falar sobre mulheres, mas os homens estão inseridos na mesma sociedade patriarcal e machista. Não podemos supor que as construções de gênero não afetam também o gênero masculino. Principalmente quando pensamos de forma interseccional e entendemos que não existe apenas um tipo de masculinidade e que noções de desigualdade ganham novas configurações dependendo do contexto. Osmundo Pinho, no texto “Qual é a identidade do homem negro?”, diz que existe um modelo ocidental de masculinidade hegemônica: o homem branco, heterossexual e de classe média. Sendo assim, homens negros, homossexuais ou pobres ocupam posições subalternas perante esse modelo.
O discurso racista moldou um tipo de masculinidade negra fundamentada em atributos físicos que desumaniza, objetifica e vê o homem negro como um corpo forte e com aptidão para a realização de trabalhos braçais. Quando não está sendo representado como ladrão ou traficante, o homem negro é hiperssexualizado. O mito do órgão genital avantajado em relação às outras raças o torna um animal que só serve para sexo, atribuindo-lhe uma ideia de virilidade nata. E essa hiperssexualização também ocorre em relações homossexuais, pois não é um problema exclusivo da heteressexualidade e sim da branquitude.
Recentemente, Moonlight (2016), de Barry Jenkins, nos trouxe questões relevantes para pensar a intersecção entre raça, sexualidade e masculinidade. Um filme importante não só por suas qualidades técnicas, mas também por ter repercutido e alcançado um público grande, principalmente por ter ganho o Oscar em três categorias, incluindo de melhor filme. Digo isso porque filmes com essa temática geralmente circulam somente em festivais, não ganham estreia mundial e alcançam um público restrito ou já interessado nessas discussões. Como é o caso de Blackbird (2014) e Naz & Maalik (2015), também produções estadunidenses com protagonistas negros gays e que, até onde sei, não foram lançados no Brasil.
Em Moonlight, a história de Chiron é dividida em três partes: infância, adolescência e vida adulta. Não há marcações temporais, mas tudo indica que há intervalos de aproximadamente dez anos entre cada parte. O filme todo é marcado pelos conflitos de Chiron em relação a sua sexualidade, seu sentimento de não pertencimento e seu isolamento, potencializados por constantes perseguições e violências que sofre na escola. A postura sempre cabisbaixa e as poucas palavras são características evidentes nas três fases, mas seus problemas não se encerram em questões sobre sexualidade. A família desestruturada, a relação conturbada com a mãe viciada em drogas e a ausência de uma figura paterna são elementos presentes na trajetória de Chiron. Juan substitui essa ausência paterna por algum tempo, procurando cuidar do garoto e lhe ensinando aquilo que considera importante. E mesmo após a morte de Juan, sua casa continua sendo um lugar de refúgio para Chiron.
A adolescência mostra a continuação das perseguições na escola e uma relação ainda mais complicada com a mãe. No desenrolar da narrativa, Chiron e Kevin, seu amigo mais próximo, se beijam sob a luz do luar. E o que poderia ser o início de uma relação entre os dois é quebrado com os próximos acontecimentos. Terrel, principal agressor de Chiron, propõe um desafio a Kevin que consiste em bater em outro garoto até deixá-lo no chão. Terrel escolhe justamente Chiron e a cena seguinte é uma das mais devastadoras. Kevin faz o que Terrel lhe pede. Kevin bate em Chiron, que se levanta após cada soco. Kevin pede para Chiron ficar no chão para aquilo acabar logo. Chiron quer saber até onde Kevin irá. Chiron e Kevin, amantes em um dia, vítimas de um sistema heterossexista opressor no outro. O fim da segunda parte é a comprovação do que pode acontecer com alguém que é reprimido e violentado constantemente. A resposta de Chiron é decidida e também violenta.
Na vida adulta, Chiron assume a masculinidade esperada, na verdade, uma masculinidade que lhe foi exigida desde criança. Uma posição que, confortável ou não, retira-o de um lugar de opressão a partir do momento em que suas características não indicam mais sua sexualidade, como ocorria na infância. As semelhanças do Chiron adulto com Juan são perceptíveis e reforçam como este foi uma figura importante e influente em sua vida. Não temos dados de quanto tempo Chiron passou na prisão, mas vemos as consequências do acontecimento traumático da adolescência. Chiron se isola e não desenvolve outras relações amorosas ou sexuais além daquele único momento com Kevin.

Em sua primeira cena do filme, Chiron aparece correndo de outros garotos que o chamam de “viadinho”. Ele só quer fugir o mais rápido possível e se esconder, se for pego, a próxima agressão será física. Não aparenta ter nem dez anos, é pequeno, magro, e não entende o significado daquela palavra que insistem em chamá-lo. Mas sabe que é algo ruim, indesejável. A palavra é dita com muito ódio. Como não seria ruim? Fugir e se esconder: soluções imediatas. Uma vida inteira lidando com a impossibilidade de dar tempo ao tempo e encontrar sua própria identidade. Exigiram tanto uma heterossexualidade de Chiron que ele se enquadrou em um tipo de masculinidade esperada, assumiu um dos estereótipos do homem negro. O reencontro com Kevin e o desfecho do filme criam um tom de esperança, nos dizendo que talvez Chiron fique bem depois de tanto tempo. Talvez, finalmente, Chiron possa ser quem ele é.

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