20 de fevereiro de 2016

Lygia Fagundes Telles: a força da mulher na literatura brasileira

Pollianna Freire



Lygia Fagundes Telles foi indicada, por unanimidade, pela União Brasileira de Escritores (UBE), à Academia Sueca, para concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura. De acordo com Durval de Noronha Goyos, presidente da UBE, essa indicação deve-se ao fato de que Lygia é a maior escritora brasileira viva e a qualidade de sua produção literária é inquestionável”, ou seja, é a escritora brasileira que vem, há mais de setenta anos, produzindo literatura cada vez mais consagrada pela crítica nacional e internacional. As suas obras já foram adaptadas para a televisão, para o teatro e para o cinema, bem como foram publicadas em diversos países, como França, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Holanda, Portugal, Suécia e Espanha.
            Imortal da Academia Brasileira de Letras, a trajetória literária da escritora iniciou-se, oficialmente, em 1938, com a publicação do livro de contos Porão e sobrado. Na esteira dessa primeira publicação, vieram a segunda coletânea de contos, intitulada Praia viva, em 1944, e o terceiro volume de contos, O cacto vermelho, de 1949, que rendeu à autora o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras. Embora esse último título tenha sido premiado, para Lygia Fagundes Telles essas três obras são marcadas pela imaturidade literária, ou seja, na sua concepção, são exercícios de escrita que não merecem ser reeditados e deveriam ser esquecidos. A escritora considera morto tudo que veio antes do romance Ciranda de pedra, publicado em 1954.
Lygia Fagundes Telles escreve, principalmente, romances e contos, mas destacou-se, sobretudo, na produção das narrativas curtas. Na sua bibliografia constam mais de treze coletâneas de contos publicadas entre o final dos anos de 1930 do século passado até a segunda década do século atual. No contexto dessas publicações, Fábio Lucas assinala que “alguns contos, ainda que com breves modificações, integram várias coletâneas diferentes”. Esse processo de reescritura estilística e temática é um traço peculiar da sua produção literária.
Na tese de doutorado intitulada As escritoras contemporâneas e o campo literário brasileiro: uma relação de gênero, Virgínia Maria Vasconcelos Leal explica que, ao se comparar, por exemplo, o mesmo tema tratado pela autora ao longo do tempo, é possível observar como Lygia Fagundes Telles, observadora atenta das mudanças à sua volta, buscou, estrategicamente, registrar e atualizar em sua ficção as transformações pelas quais passou e passa a sociedade brasileira. A crítica apresenta como exemplo dessa atualização temática o modo como questões referentes à homossexualidade e à descoberta da sexualidade foram tratadas nas obras Ciranda de pedra e “O espartilho” durante o processo de atualização desses textos.
            Nas obras de Lygia Fagundes Telles também sempre estiveram presentes temas relacionados às reinvindicações feministas. Como testemunha de todas as mudanças provocadas pelos feminismos e pela crítica literária feminista como pode ser observado nos exemplos de atualização temática apontados por Leal em seu texto —, a escritora não se esquivou, como ratifica Cristina Ferreira Pinto, em seu livro O bildungsroman feminino, de focalizar em suas narrativas “a situação da mulher numa sociedade em processo de transformação”.  
Embora Lygia Fagundes Telles afirme que não existe uma literatura feminina, já que, para ela, “o que existe são homens e mulheres que escrevem bem e homens e mulheres que escrevem mal”, a própria autora se considera uma mulher feminista. Conforme argumenta Virgínia Maria Vasconcelos Leal, a escritora fala, ainda, abertamente sobre o assunto bem como publica textos sobre as mulheres, a exemplo do  “Mulher, mulheres”, que integra o livro História das mulheres no Brasil, considerada uma obra de referência na área dos estudos de gênero no país.
Além de permanecer no tempo como uma escritora cada vez mais central no campo literário, Lygia Fagundes Telles compõe, hoje, uma das mais importantes vozes da literatura de autoria feminina no Brasil. A escritora foi uma das primeiras mulheres a trazer para a literatura canônica o ponto de vista feminino e as reivindicações acerca da condição das mulheres na sociedade. Portanto, o fato de ela ter sido a primeira mulher brasileira a ser indicada ao Prêmio Nobel de Literatura representa, por si só, mais um importante passo em relação ao reconhecimento, no campo literário nacional e internacional, do alto valor literário, cultural e simbólico da produção literária de autoria feminina brasileira.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.