Pollianna Freire
Lygia
Fagundes Telles foi
indicada, por unanimidade, pela União Brasileira de Escritores (UBE), à
Academia Sueca, para
concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura. De acordo com Durval de Noronha Goyos, presidente da UBE, essa indicação deve-se ao fato de que “Lygia é a maior escritora brasileira viva e a
qualidade de sua produção literária é inquestionável”, ou seja, é a escritora brasileira que vem, há mais de setenta anos, produzindo literatura cada vez mais
consagrada pela crítica nacional e internacional. As suas obras já foram adaptadas
para a televisão, para o teatro e para o cinema, bem como foram publicadas em diversos países, como França, Estados Unidos,
Alemanha, Itália, Holanda, Portugal, Suécia e Espanha.
Imortal da
Academia Brasileira de Letras, a trajetória literária da escritora iniciou-se, oficialmente, em 1938, com a publicação do livro de contos Porão e
sobrado. Na esteira dessa primeira publicação, vieram a segunda
coletânea de contos, intitulada Praia viva, em 1944,
e o terceiro volume de contos, O cacto vermelho, de 1949, que rendeu à autora o Prêmio Afonso Arinos, da
Academia Brasileira de Letras. Embora esse último título tenha sido premiado,
para Lygia Fagundes Telles essas três obras são marcadas pela imaturidade
literária, ou seja, na sua concepção, são exercícios de escrita que não merecem
ser reeditados e deveriam ser esquecidos. A escritora considera morto tudo que
veio antes do romance Ciranda de pedra,
publicado em 1954.
Lygia Fagundes Telles escreve, principalmente, romances
e contos, mas destacou-se, sobretudo, na produção das narrativas curtas. Na sua bibliografia
constam mais de treze coletâneas de contos publicadas entre o final dos anos de
1930 do século passado até a segunda década do século atual. No contexto dessas
publicações, Fábio Lucas
assinala que “alguns contos, ainda que com breves modificações, integram várias
coletâneas diferentes”. Esse processo de reescritura estilística e
temática é um traço peculiar da sua produção
literária.
Na tese de doutorado intitulada As escritoras contemporâneas e o campo literário brasileiro: uma relação de gênero, Virgínia Maria Vasconcelos Leal explica
que, ao se comparar, por exemplo, o mesmo tema tratado pela autora ao longo do
tempo, é possível observar como Lygia Fagundes Telles, observadora atenta das
mudanças à sua volta, buscou, estrategicamente, registrar e atualizar em sua
ficção as transformações pelas quais passou e passa a sociedade brasileira. A crítica apresenta
como exemplo dessa atualização temática o modo como questões referentes à
homossexualidade e à descoberta da sexualidade foram tratadas nas obras Ciranda de pedra e “O espartilho”
durante o processo de atualização desses textos.
Nas obras de
Lygia Fagundes Telles também sempre estiveram presentes temas relacionados às reinvindicações feministas.
Como testemunha de todas as mudanças provocadas pelos
feminismos e pela crítica literária feminista — como pode ser observado nos exemplos de
atualização temática apontados por Leal em seu texto —, a escritora não se esquivou, como ratifica Cristina Ferreira
Pinto, em seu livro O
bildungsroman feminino, de focalizar em suas narrativas “a
situação da mulher numa sociedade em processo de transformação”.
Embora Lygia
Fagundes Telles afirme que não existe uma literatura feminina, já que, para
ela, “o que existe são homens e mulheres que escrevem bem e homens e mulheres
que escrevem mal”, a própria autora se considera uma mulher feminista. Conforme
argumenta Virgínia Maria
Vasconcelos Leal, a escritora fala, ainda,
abertamente sobre o assunto bem como publica textos sobre as mulheres, a
exemplo do “Mulher, mulheres”,
que integra o livro História das mulheres no Brasil, considerada uma obra de referência na área dos estudos de
gênero no país.
Além de
permanecer no tempo como uma escritora cada vez mais central no campo
literário, Lygia Fagundes Telles compõe, hoje, uma das mais importantes vozes
da literatura de autoria feminina no Brasil. A escritora foi uma das primeiras
mulheres a trazer para a literatura canônica o ponto de vista feminino e as
reivindicações acerca da condição das mulheres na sociedade. Portanto, o fato
de ela ter sido a primeira mulher brasileira a ser indicada ao Prêmio Nobel de
Literatura representa, por si só, mais um importante passo em relação ao
reconhecimento, no campo literário nacional e internacional, do alto valor literário,
cultural e simbólico da produção literária de autoria feminina brasileira.
*Este texto contém partes da dissertação intitulada Entre o impasse e a transgressão: a representação da conjugalidade em narrativas de Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Cíntia Moscovich, defendida por mim, em 2015, na UnB.
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