Carol Almeida
Em
1929, Virginia Woolf falava sobre as “dificuldades materiais” de escrever que
tinha a mulher sem a emancipação de um teto para chamar de seu, do dinheiro
próprio ou da autonomia em dizer que não estava ali pra te servir um chá ou
colher as flores da estação. Da mulher incapaz de ter um espaço para a
reflexão, sem que o peso de seu sexo não a curvasse perante alguma autorização
patriarcal. Seria possível fazer uma associação entre esse ensaio de Woolf e os
possíveis entraves editoriais que existem hoje para as escritoras e escritores
fora do padrão hegemônico do homem-branco-classe-média-sudestino-heterossexual?
Qual a natureza das dificuldades que existiriam agora? A resposta de Luisa
Geisler, conhecida após ter levado o Prêmio Sesc de Literatura em 2010, aos 19
anos, e hoje autora de dois romances, não poderia ser mais elucidativa. “A
questão toda para mim está nestas duas sinopses:
Martha é uma mulher determinada a descobrir a respeito
de seu passado. Entre relacionamentos amorosos frustrados, ela inicia uma
pesquisa extensa que a levará a descobrir a sua verdadeira identidade.
Marcos é um homem determinado a descobrir a respeito
de seu passado. Entre relacionamentos amorosos frustrados, ele inicia uma
pesquisa extensa que o levará a descobrir a sua verdadeira identidade”.
Ela
explica: “Note como, só mudando o gênero na sinopse, a história quase parece
outra? E eu poderia exagerar mais. Agora imagine falar de uma autora que faz
uma história sensível versus um
autor que faz uma história sensível. Há um padrão duplo muito claro e
precisamos assumir que isso existe para que ele possa ser combatido”. Em suma,
o que Geisler aponta quando tenta estabelecer a natureza dos obstáculos para a
mulher escritora é essencialmente o mesmo problema sobre o qual Virginia Woolf
se lamentava há mais de oito décadas. Às mulheres ainda cabe a carga simbólica
do ser passivo, em que pesam mais na sentença acima os “relacionamentos
amorosos frustrados”. Enquanto o homem, ativo, se sublinha na ação de sua
“pesquisa extensa”. Essas representações socialmente construídas, claro, se
estendem também às questões materiais historicamente dadas não apenas às
mulheres, mas a todos aqueles destituídos de um teto próprio.
Ninguém vai ler o que
escrevo, mas escrevo. É a única maneira
de voltar
inteiramente, se é que ainda dá para fazer meia-volta-volver.
Maria Valéria Rezende, no
livro Quarenta dias (Alfaguara)
Os
reflexos editoriais dessa perpetuação do papel social estão sendo intensamente
discutidos nesses últimos três anos, particularmente após a publicação, dentro
e fora do Brasil, de várias antologias da literatura contemporânea, de
premiações e feiras literárias que evidenciaram um inegável protagonismo
masculino-branco-classe média no corpus literário.
O debate coincide (coincide?) também com o resultado da pesquisa desenvolvida
pela professora Regina Dalcastagnè, da UnB, lançado em 2012 com o livro Literatura Brasileira Contemporânea: um
território contestado (Editora Horizonte), no qual ela conclui
que, entre 1990 e 2004, os homens foram três quartos dos autores publicados no
Brasil, 70% de todos autores publicados vinham de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul e, ainda mais gritante, 93,9% desses
escritores, entre homens e mulheres, eram brancos. A pesquisa vai mais adiante
para mostrar como esses números ecoam narrativas predominantemente masculinas.
Nos 258 romances estudados, 62,1% dos personagens importantes eram homens e,
entre os protagonistas, eles eram uma maioria ainda mais expressiva: 71,1%.
Em
resposta à mesma questão que menciona o ensaio de Virginia Woolf, Dalcastagnè é
objetiva: “Permanecem muitas dificuldades, inclusive as materiais. Afinal, o
fenômeno da dupla jornada de trabalho afeta as mulheres em todas as ocupações
profissionais. Elas têm menos tempo livre porque são responsáveis pelas tarefas
domésticas, logo, têm menos tempo para escrever também. Há também os filtros
quase inconscientes, que fazem com que os escritores homens sejam
privilegiados, até mesmo pelo fato de que as confrarias de escritores que se
formam são quase exclusivamente masculinas. Mas talvez a principal dificuldade
esteja na permanência da ideia de que as mulheres fazem ‘literatura feminina’,
o que as aprisiona numa determinada dicção, num círculo de temáticas, em algo
que é, já de antemão, uma literatura ‘menor’. Mulheres que resistem a isso têm
que estar dispostas a pagar o ônus da estranheza em relação às suas obras”,
afirma.
Sua
pesquisa, bem como os conflitos apontados por várias escritoras mais
confortáveis com as velhas/novas pautas feministas, surgem de uma mesma demanda
de representação das identidades fragmentadas da pós-modernidade postulada por
Stuart Hall. Mulheres, negros, lésbicas, gays e transgêneros, seres socialmente
periféricos de uma maneira geral, exigem os espelhos que lhe são de direito e
que permanecem sendo negados a partir do momento em que até para reconhecer
Machado de Assis como o grande cânone da literatura brasileira, simbolicamente
se extrai dele sua cor negra. Mas, quando uma escritora como Ana Luisa Escorel
sobe ao palco para receber o prestigiado Prêmio São Paulo de Literatura de 2014
e aponta em seu discurso que, depois sete edições, o evento finalmente premia
uma mulher e, mais ainda, uma “autora tardia” em uma editora pequena, algumas
pessoas se mexem desconfortáveis em suas cadeiras. E a literatura, tal como
qualquer outra arte, só tem a ganhar com esse atrito.
Porque pouco tempo depois de admitida na empresa já
conseguia atrair
a conversa para os
assuntos do trabalho, esotéricos para aquele grupo de amigos e parentes voltado
para outros mitos, praticante de outros ritos, fazendo pergunta
atrás de pergunta na curiosidade típica dos não iniciados. As
mulheres, então!
- Esteve com ele?!!
- Faz parte...
- Gato, como nos jornais?
- É...
- Te deu bola?
- Casado!
- E daí?
- ...
Ana Luisa Escorel, no livro Anel de vidro (Editora Ouro Sobre
Azul)
O
que refletem essas premiações (a pontuar que o disputado Prêmio Portugal
Telecom de Literatura nunca, em sua condecoração maior, elegeu uma mulher) e
antologias como a supermidiatizada Por que ler
os contemporâneos? (Dublinense), em que de 101 autores
“essenciais”, apenas 14 são mulheres? No campo literário, ainda que o exercício
da ficção consista em se colocar no outro, termina havendo uma predominância de
um ponto de vista de quem, por questões de projeção, reproduz o que lhe é mais
familiar. A dúvida maior parece ser: esse estado das coisas deve ser minimizado
por uma gradual “evolução” da condição social da mulher e naturalizado como
inevitáveis (in)consequências históricas, ou haveria de fato um mercado editorial
(e uma indústria de cinema, da música...) machista? Ou, para além da pauta
exclusivamente feminista (ainda que essa pauta se aplique a todas as demais
minorias políticas): deveria esse mercado editorial ser tão refém dos padrões
socialmente opressores que as estratégias de consumo perpetuam?
Elvira
Vigna, escritora veterana e autora de um dos romances mais elogiados de
2014, Por escrito, é
incisiva: “O achatamento da fala é feito pelo mercado. Não há nada de ruim em
ninguém. Nem em homem, nem em universitário do sudeste ou em heterossexuais. A
formatação necessária às ações de marketing(que
não se dirigem ao individual, mas sempre a um coletivo) é que é ruim. A
formatação necessária desse ‘produto’ (a literatura vista como produto dá
um workshopinteiro) é
ruim porque corta tudo que não se enquadra nos canais de venda, nos processos
de venda já existentes e testados. É o maior atraso de vida, de criação, de
tudo. É a morte.”
Mais
jovem, Carol Bensimon, autora de três romances e colunista do blog da Companhia
das Letras, relativiza: “No mercado editorial brasileiro, mulheres estão sendo
publicadas (em número menor, é verdade, não é tão rápido corrigir uma
discrepância histórica), estão concorrendo e ganhando prêmios, mas como apontar
e quantificar os momentos em que uma escritora é preterida, simplesmente por
uma questão de gênero, em favor de um escritor homem, e isso na sala de uma
editora, na mesa de um jornalista, na cabeça de um leitor indeciso diante de
uma estante? Claro que isso acontece diariamente. Mas é quase impossível
perceber quando, onde e de que forma se dá essa diferença de tratamento”.
Em
entrevista publicada no fim do ano passado pelo O Globo, uma das mais procuradas
e respeitadas agentes literárias do Brasil, Luciana Villas-Boas, ex-diretora
editorial da Record, chegou a afirmar que “há no meio editorial a ideia de que
toda autora quer ser Clarice Lispector, oferecendo um tipo de pastiche
clariciano odiado pelo público”. E que “com um número tão inferior de mulheres
publicadas, é natural que elas sejam menos contempladas em premiações”.
Curiosamente (contém ironia), a literatura da própria Clarice, com frequência,
foi associada pelos próprios críticos literários a uma espécie de bruxaria
inerente à autora, como se seus extraordinários poderes de concisão da alma
humana não pertencessem ao intelecto, mas, sim, a fenômenos paranormais. No
mesmo tópico, é importante notar como, do lado masculino, não se tem
conhecimento de nenhum autor contemporâneo vivendo às sombras de fantasmas como
Machado de Assis ou Guimarães Rosa.
No dia em
que te conheço, você está com uma camiseta em que está escrito
“Sexo Não Tem Gênero”. Cochicha no meu ouvido
outras frases também sem
muito
sentido, mas com a aparência de que têm. Fico com a impressão de que
você deve
ser muito culto. Só pode. Depois vejo meu duplo engano. A camiseta
nem é sua. Derrubaram vinho, daquele de
garrafa de plástico que ambulante
vende. Ou foi vômito e você falou que foi
vinho. O caso é que
você arranja outra camiseta, essa. Aquela.
Elvira Vigna, no livro Por escrito (Companhia das Letras)
Ainda
no tópico do mercado, tem sido muito publicizado o crescimento de vendas de um
gênero agora conhecido como chick-lit,
em que mulheres reafirmam esse espaço da figura feminina como uma personagem
que orbita a centralidade masculina. Tramas sobre meninas e mulheres à procura
de um namorado ou marido são constantes. Esses livros são usados com frequência
para endossar a afirmação pueril, para não dizer mal-intencionada, de que
existe uma literatura feita para mulheres e uma outra escrita para homens.
Quase um prolongamento das divisões cromáticas entre o rosa e o azul numa loja
de brinquedos.
ENTRELINHAS DO ATIVISMO
Como
aponta o trabalho de Regina Dalcastagnè, o mesmo discurso das mulheres
sub-representadas em escolhas editoriais se aplica também quando o ponto de
partida da escrita se dá por um autor fora do protagonismo eurocêntrico. Se as
mulheres ainda enfrentam dificuldades materiais para escrever, uma pessoa que
vive na periferia das grandes cidades pode passar por problemas ainda maiores:
“Não é dificuldade de produzir, mas de existir. Sem participar do “clubinho”,
sem tomar cafezinho com os editores, sem ter acesso a esse meio, fica difícil
chegar no mercado. Eu fui algo à parte. Sou igual aos grupos de forró,
tecnobrega, que chega porque pegou o povo primeiro, depois o mercado e a mídia
reconhecem. Esse é um caminho que os autores de periferia estão trilhando”. A
opinião é de Ferréz, hoje editado pela editora Planeta e conhecido — rótulo,
claro, dado pelo mercado — como ‘o escritor da periferia’” (difícil seria
imaginar alguém sendo marcado como “escritor do centro”).
O
fato desse aplainamento narrativo ser resultado de um contexto maior, onde
diversas minorias terminam sendo reconhecidas apenas quando a elas são
reservadas gavetas fechadas — “literatura feminina, literatura de periferia” —
não exime a necessidade do debate. “Isso gera narrativas muito parecidas (de
homens brancos heterossexuais), o que de certa maneira reflete uma série de
mídias que são assim. O que se acaba aprendendo é a vida sob o ponto de vista
de um homem. Eu já li narrativas de masturbação masculina várias vezes, já li
diversas análises de corpos femininos em livros. A existência da mulher (e de
outras minorias) só existe a partir de uma lente masculina. Demorei muito a
achar um livro que tivesse masturbação feminina. Por quê? Por que se fala tão
pouco de menstruação ou de temas femininos no geral? O que isso acaba,
simbolicamente, mostrando é que: é assim que um homem vive e o jeito que um
homem vive merece inclusive ter histórias contadas a respeito. O papel da
mulher se torna algo “em relação ao” homem, o que é um simbólico terrível.
Mesmo quando a protagonista é mulher, um autor homem pode fazer um excelente trabalho,
mas nem sempre. Essa variedade de olhares é necessária”, frisa Luisa Geisler,
que, no fim de 2014, se viu na berlinda de comentários machistas após um artigo
seu publicado no jornal O Globo,
com o título de Eu escrevo
como mulher, sim.
Nele,
a jovem autora chegava a afirmar que já ouviu “elogios” do tipo “você escreve
como um homem” ou a variação “você não escreve como outras mulheres”. Luisa,
tal como Elvira, a poeta Angélica Freitas, Adelaide Ivánova (leia texto inédito sobre esse mesmo assunto na
página 19) e, mais recentemente, a já citada Ana Luisa Escorel, são
algumas das que há pouco tempo se afirmaram incomodadas com a supremacia do
lugar de fala preponderantemente masculino-branco-classe-média. Freitas, que em
2012 publicou o livro Um útero é
do tamanho de um punho (Cosac Naify), reunião de 35 poemas a
lidar com a questão da identidade feminina, chega a usar esse conflito de
poderes como tema maior de seus versos: “uma mulher incomoda/ é interditada/
levada para o depósito/ das mulheres que incomodam”, escreve. Ao lado de
Ricardo Domeneck, Fabiano Calixto e Marília Garcia, Freitas é também editora da
revista (impressa e online) Modo de Usar,
um espaço literário reservado a narrativas dissidentes, em prosa e poesia, dos
padrões hegemônicos do mercado.
Recebi um abraço demorado e um “Paris te fez bem”, frase que achei melhor
rebater apenas com
um sorriso do tipo padrão. A alguns metros de distância,
um homem
usando bombachas olhava para a gente com certo interesse triste.
Carol Bensimon, no livro Todos nós adorávamos caubóis (Companhia das Letras)
Questionada
sobre se há um exercício político em sua obra, ao escrever usando protagonistas
mulheres, Luisa Geisler pondera: “Apesar de essa escolha — assim como escolher
um personagem masculino — ser um exercício político, não é a intenção. A ideia
de fazer literatura feminista é uma ideia ruim para a autora, porque
‘feminismo’ é uma palavra pouco popular. A ideia de ter uma ideologia incomoda
as pessoas, que se sentem parte de um terrível complô, sem que elas percebam
que toda a literatura tem alguma forma de ideologia por trás. Ninguém escreve
no vácuo. No entanto, não gosto de fazer livros didáticos ou panfletários.
Jamais iria querer escrever O mundo de
Sofia do feminismo, por exemplo. Não tenho intenção política ou
ideológica, mas acaba acontecendo. É impossível pra mim ler um livro e não
notar quando uma personagem feminina não apenas está reduzida a um cargo (a
mãe, a namorada, a esposa, a amante, a secretária desejada), como também é
usada como mera ferramenta narrativa. É incrivelmente comum vermos personagens
femininas que não são coerentes, mas que fazem coisas porque essas coisas vão
ter um resultado no protagonista, em geral homem. A minha escolha é de fazer
personagens mulheres que façam sentido, que tenham começo, meio e fim, que
tenham complexidades emocionais que não sejam vistas como ‘mimimi’”.
Já
Elvira, diante da mesma questão, é mais uma vez enfática: “Sim. Em 1978, fiz um
infantil, o Viviam como
gato e cachorro (Editora Dimensão). Ilustrei meu próprio
texto. É a história de um casal, transposta para seus dois animais de
estimação, um gato e um cachorro. Fiz a menina sempre vestida, e muito vestida,
com saias compridas. O menino está sempre nu, o peruzinho pendurado. Nada no
texto me autorizava a fazer isso, mas fiz. Era um desafio à coisificação da
mulher na mídia. O livro ganhou o prêmio APCA de melhor ilustração e um
‘altamente recomendável’ na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. As
coisas pioraram muito desde então. Duvido profundamente que algum editor
topasse publicar essas ilustrações, hoje”, diz ela.
#LEIAMULHERES
As
provocações das escritoras da literatura contemporânea brasileira, mais do que
qualquer outra minoria política, apontam, sim, para a premência da discussão,
mas estão longe de indicarem saídas fáceis. Em comum, essas autoras questionam
a invisibilidade da figura da mulher na literatura, mas estão todas longe de
sugerir uma solução comum ao problema que não seja o combate ostensivo e
intensivo ao machismo nosso de cada dia, dentro e fora das páginas (e o mesmo
vale para o brancocentrismo, classemediacentrismo, sudestinocentrismo, e assim
por diante). Combate a afirmações do tipo “você escreve como um homem” ou a
polemistas como o jornalista André Forastieri que, no mesmo ano de 2014 em que
se lançou uma campanha nas redes sociais conhecida como #leiamulheres, publicou
um artigo com o título Eu não leio
livro escrito por mulher, sugerindo que há, sim, textos pensados
para homens e outros direcionados a mulheres, ou a “mulherzinhas”, como ele
define a literatura de Jane Austen.
Tenho estranhado o Gilsinho. Ele aceita tudo com
tanta mansidão, mas alguma coisa está deixando esse menino mais forte, ele faz
o que peço, mas não é mais como antigamente. Ele temia minha voz, minha
aproximação, ele está ficando superior. O corpo já poderia me surrar até a
morte. Ele já poderia me abandonar por justa causa. Ele já podia ter percebido
que sou confusa o suficiente para achar que um aborto ainda é uma
possibilidade. Eu o mataria no meio de um descontrole, com um tiro certo, caída
no chão depois de um telefonema como o que acabei de receber.
Andrea del Fuego, no
livro As miniaturas (Companhia
das Letras)
Pergunto
então à Regina Dalcastagnè se houve alguma recepção negativa às conclusões de
sua pesquisa sobre os “territórios contestados” da literatura brasileira
contemporânea. Ela responde com outra questão: “De um modo geral ela foi
recebida com muito interesse. Houve algumas leituras equivocadas, como se eu
estivesse defendendo uma espécie de patrulha literária ou propondo um manual do
romance politicamente correto. Então, alguns escritores e críticos reagiram,
brandindo o valor ‘universal’ da literatura. Eu questiono essa ideia de valor
universal, a ideia de que uma obra literária é algo fora do tempo e do espaço.
Mas mesmo que aceitemos isso, fica a pergunta: por que esse ‘universal’ só é
atingido em narrativas sobre intelectuais de classe média? Por que as mulheres
pobres, negras, da periferia estão ausentes do ‘universal’?”
Em
tempos de identidades manipuladas a favor de neoapartheids e do medo do outro, questionar o
que é “universal” e a quem ele serve pode ser o começo de tudo. O elefante
começa a se mover na sala de cristal, onde o senhor “universal” repousa
inabalado. E para efeito da criação, é sempre bom escutar o barulho das coisas
se quebrando.